31 de janeiro de 2008

O PRIMEIRO PASSO



Sinto que preciso mudar. Muitas coisas que contribuíram para que eu seja quem sou hoje, vieram sobre mim e foram associadas à minha personalidade sem que eu primeiro as questionasse ou fizesse alguma seleção que me levasse a aceitá-las ou não.

Quero ser mais eu nas diversas ocasiões. Sinto é uma grande bobagem, diante de minha filha eu me mostrar durão ou carrancudo só para mostrar autoridade, e diante de pessoas tão menos importantes pra minha vida eu ter que fazer o papel de simpático, dócil o tempo todo e ter que achar tudo engraçado. Quero poder dizer para quem me pergunta como estou: “estou cansado”, “hoje eu não estou muito bem”, ou “o problema ainda persiste” sem que elas me lancem no profundo dos mares com o olhar de quem acha que pastor não passa por problemas, com a reprovação clara de que não era isso que queriam ouvir.

Quero, de coração, ser mais humano. Isso mesmo, mais humano e menos divino. Eu explico. Não se trata de me achar divino e de muito menos sugerir que pessoas me olhem assim. Mas acontece que eu tenho a perversa tendência a querer atingir um status maior do que eu posso ser (quem sabe até buscando ser divino mesmo), e isso me torna desumano. E ser mais humano é estar mais perto e cada vez mais identificado com os humanos ao meu redor. Independentemente do que eles vestem, dos seus títulos ou dos seus cheiros [importados]. Quero apertar as mãos das pessoas olhando nos seus olhos e não apenas por obrigação social. Quero dar atenção a quem me pedir atenção. Quero ser gente boa, como me parece ser aquela gente lá da primeira igreja do mundo (At. 2.47) Quero ser mais calmo e compreensivo com os erros das pessoas contra as quais eu também cometo erros. Quero olhar pra traz e ainda ver caminhos pelos quais eu possa voltar, ou que outros possam ainda trilhar. Quero voltar a ler poesia, a amar a música e a me render às crianças. Quero ver doçura na vida. Quero amar mais e respeitar mais a Criação. Quero ser mais responsável com o planeta.

Quero ser um pregador de palavras. De forma que elas façam bem pra quem as ouve. De forma que elas abram caminho nos corações humanos a fim que o Deus Eterno trabalhe neles. E que jamais eu tenha a pretensão de achar que eu fiz alguma obra miraculosa, ou descobri o remédio ou a poção mágica para o ser humano com os meus livros de teologia emaranhados e afundados dentro de imenso caldeirão, que se chama minha estante de trabalho.

Quero ter mais coragem. Sinto que preciso me lançar na vida e acreditar mais que atitudes custosas levam a resultados benéficos pra muita gente. Quero ter coragem de dizer não ao que o meu coração não consente. E quero poder dizer sim, com convicção, àquilo que é o melhor, mesmo que não agrade a todos.

Talvez eu não pudesse ter dito nada disso se não estivesse determinado a dar o primeiro passo a fim de me tornar uma pessoa melhor.

Marcelo Coelho

24 de janeiro de 2008

O Trem da Esperança - Estação Perus

O trem leva e traz pessoas. Pessoas que partem pra voltar após um dia pesado de trabalho. Enquanto o sol ainda não veio ele já está ali, presente na estação. Vem antes do sol porque o trabalho nasce antes da cidade acordar. Aliás, o trem leva pessoas que vão tornar possível o despertar de outros tantos para mais um dia. São padeiros, cozinheiros, pedreiros, diaristas, e até mesmo motoristas. Gente que faz com que as pessoas, ao acordarem, encontrem tudo funcionando. Mas a vida só funciona lá porque o trem funcionou aqui, antes do sol nascer.

O trem leva e traz sonhos. Na alma de cada passageiro habita um sonho, que no embalo do trem, retoma seu diálogo com o dono. É como se o sonho só aparecesse nesta hora, na hora da viagem. É quando a correria habita apenas sobre os trilhos por que passam o trem. Pois seus passageiros parados, encostados uns nos outros apenas dialogam com seus sonhos. Uns sonham mesmo acordados, outros dormindo profundamente. São sonhos de vencer, de conseguir o emprego, de suportar mais um dia, de ter uma boa notícia do médico, de voltar pra terra natal, de não tomar mais o trem, de compartilhar estes sonhos com alguém, enfim. São tantos sonhos, que por vezes seus donos os expulsam, ao serem interrompidos pela gritaria de mais uma parada na estação seguinte. Ordena-se até que eles desçam (os sonhos) os deixem em paz. Mas não adianta, eles moram dentro da alma, e quando menos se espera eles saltam do meio do mato do lado de fora do trem e voltam a dialogar com o dono.

O trem leva e traz o silêncio e a solidão. Não o silêncio do ambiente, porque este é sonoro e por vezes até sinfônico. Mas o silêncio de cada um. Silêncios e segredos que são compartilhados apenas com os vidros, janelas, portas, paisagens ou folhagens. Solidão não do ambiente porque este é exaustivamente habitado, lotado. Mas solidão que é sinônimo de maturidade, segundo Donald Winnicot, é a capacidade que a pessoa tem de ficar só consigo mesma, ainda que dentro de um vagão no meio de uma multidão. Solidão que faz a gente conversar conosco mesmos e tratar de coisas sérias e profundas. Faz a gente chegar ao lugar de grandes e importantes decisões, inclusive aquelas que transformam pra sempre a vida.

O trem leva e traz esperança. Porque as pessoas que sonham e dialogam consigo mesmas no silêncio de sua alma estão, a cada viagem, renovando a vida e enchendo o mundo de esperança.

Salmos 4:4: Irai-vos e não pequeis; consultai no travesseiro o coração e sossegai.
Com carinho,
Pr. Marcelo em 08/01/2008 às 18h15
Neste ano a IP Esperança comemora 50 anos de organização no bairro de Perus. localizada na rua da Estação de Trem, é a primeira Igreja Evangélica do Bairro.

Feridas Emocionais

Há dores que não passam. No máximo a gente consegue amenizar sua influência.
Ver um filho partir antes de nós, talvez seja uma dessas dores. Certamente há outras. Todavia, devemos admitir que o que cada um sente, enfrenta ou sofre é tão único e especial quanto o é a própria individualidade. Portanto, uma dor que pra mim é passageira, pra você pode ser eterna. E não há pecado nisso, pelo menos até aqui. O que acontece então quando uma dessas dores se aloja em nossa alma? Podemos dizer que se criou uma ferida.


Quando somos crianças, nossa linguagem preferida é "machucado". Veja que interessante: as crianças gostam (e até mesmo se orgulham) de mostrar o machucado. Elas o mostram com um ar de conquista: "vejam só o quanto eu agüentei e agora carrego!" Machucado sem o esparadrapo ou a faixa bem aparente não tem graça. Talvez porque a criança pense: "desse jeito não terei nada pra contar." Conheço uma criança de seis anos que após sete dias de internação pediu para a enfermeira colocar alguns esparadrapos bem grandes nas regiões dos braços onde ela tinha recebido as picadas de agulhas para o soro.


O que acontece quando fazemos essas feridas emocionais? Será que não agimos como as crianças? Pode ser que com alguma diferença na forma, a gente proceda do mesmo jeito. O rosto sempre triste, o mesmo discurso "nada está bom", as mesmas queixas como se fossem canto de bem-te-vi (sempre do mesmo tom, mesma cadência e mesma melodia), podem perfeitamente funcionar como o esparadrapo ou a faixa para "mostrar o machucado".


Você conhece gente assim? A pessoa carrega a ferida emocional como se fizesse parte de sua identidade. É pouco provável que ela se apresente de outra forma. Isto porque a dor passou a fazer parte de sua apresentação pessoal, parte do seu eu.


Não deveria ser assim com o Cristão. O senhor Jesus "levou as nossas dores e enfermidades sobre si". Isto significa que não sofremos nossas dores sozinhos. Cristo se identifica conosco em nosso sofrimento. Por isso devemos esperar d'Ele a cura para essas feridas. E mais, devemos "mostrar o machucado" somente pra Ele, ou pra quem Ele nos indicar, e nunca para o mundo inteiro. Isto porque vivemos este mundo com a expectativa do cumprimento de sua promessa: "Vinde a Mim os cansados e sobrecarregados que Eu vos aliviarei."


Paz, Pr. Marcelo Coelho

No início da campanha de palestras sobre cura emocional na IPE - out a nov de 2007

Vitória e Triunfo?

Vista noturna da cracolândia
(fonte: Google/imagens)

O título deveria ser outro. Mas está certo. Vitória e Triunfo. Nomes que lembram coisas boas: Conquista, sucesso, superação, reconhecimento, enfim, coisas que queremos esperamos e sobre as quais pregamos.

Mas as aparências enganam. Quando falo que o título deveria ser outro é porque o assunto de que falo tem haver com exatamente o contrário. Ruína, perda, derrota, desgraça.

Refiro-me à esquina de duas ruas em nossa cidade que têm estes respectivos nomes (Rua Vitória e Rua do Triunfo). Esta esquina está nas imediações da estação da Luz (outro nome sugestivo) e é também conhecida como cracolândia. Ali centralizam-se os traficantes e usuários de uma das mais destruidoras e arrasadoras drogas dos últimos tempos. O craque, também denominado “pedra” ou “pedrinha”, que tem a cocaína como ingrediente principal.

Crianças, jovens e adultos estão a qualquer hora do dia ou da noite em uma destas ruas com seus corpos e suas almas expostas à realidade de destruição, ruínas e perdas que a cada dia se tornam maior.

E o interessante é que o que os leva para lá são exatamente uma busca incessante da realização máxima de se encontrar a luz, a vitória e o triunfo. São pessoas à procura do alívio da dor. Dor de não se ter uma família. Dor de conviver com problemas sem respostas. Dor de serem como são, dor de terem nascido... talvez onde nasceram. Dor que quanto maior, maior a busca pelo prazer. E quanto mais prazer melhor, ou menos dor.

Vitória e triunfo podem ser sinônimos também de esperança, restauração e transformação para aquelas pessoas se nós como vitoriosos e triunfantes do Reino de Deus apresentarmos nossas vidas ao Senhor como instrumentos e a elas como testemunho vivo de que a mensagem de Cristo é uma mensagem para o ser-humano por completo. E que a “salvação” de nossas “almas” pode ser também libertação do vício, uma casa pra morar, uma família re-lembrada ou re-vivida, a dignidade de ser-humano de volta. Uma nova percepção de prazer e alívio. Um que não requer em troca a deterioração do ser. Mas o alívio do próprio ser de Deus. Disse Jesus: "Vinde a mim... e EU vos aliviarei. "
Marcelo Coelho Almeida
escrito em 1999

A agonia do poeta e a dor da prostituta

Tenho pensado na semelhança entre estas duas profissões.
Já faz tempo, me incomoda o fato de o poeta não ser dono de sua obra. o que ele escreve deixa de ser dele neste momento. Embora seja um pedaço do seu ser que saltou de suas profundezas. Um poema é parte, pedaço de quem o escreveu.

Pense no significado do texto. Pense na fonte de inspiração. São coisas tão íntimas do poeta; coisas que só ele conhece e, quando as recorda, sua alma pulsa dentro do peito. Nem mesmo o significado e a inspiração têm o mesmo sentido quando sua obra for lida por alguém. será alguém que a lerá. Portanto, será uma nova obra. O que “os Lusíadas” mobiliza em você é único. Só você sabe. E isso já deixou de ser ‘propriedade’ de Camões desde que o primeiro leitor sentiu algo ao relacionar-se com o texto. O corpo de uma poesia é de quem a possui. Não é mais do autor.

Diz Jung: "Toda Casa tem um espírito. se o teu espírito não bate com o espírito da casa. Esta não é uma casa para o teu espírito".

Assim, se o espírito do leitor não se coadunar com o espírito do poeta, aquela obra não fará sentido nenhum para o leitor. Não o fará sentir. Na verdade, nem mesmo terá sido lida de fato. Portanto não será "possuída", ou "violada". Não se tornará corpo no seu corpo, ser no seu ser. Não será uma fala para o seu espírito.

Se, todavia, o leitor/amante encontrar algo que esteja dentro de seu ser refletido no papel e que no momento da leitura vem à tona, então está sacramentada a violência, o roubo. Mesmo sem ele saber que é assim - porque o que faz uma leitura ser bela não é a formulação literária é, antes, a revelação de verdades interiores. Verdades do ser de quem lê. Verdades que partiram do ser de quem escreveu. Coisas que o nosso ser gostaria de ter nos dito e não encontrou palavras, e as palavras (agora nossas) se encontram ali no papel, na nossa frente. Acho que é por isso que os dramas e as tragédias sempre tocam profundo em nós. Ninguém se encanta ou lembra-se com facilidade de uma telenovela campeã de audiência. Mas todos revivem experiências inéditas ao impactar-se com o amor e a morte de Romeu e Julieta. Talvez seja porque a experiência de amar tenha para o nosso ser o sentido mais escuro e profundo de morrer pelo outro. Amar é escolher. Escolher é não escolher tudo o mais. É morrer para outras possibilidades. Aurélio nos dá o significado de Agonia: iminência de morte. O poeta é alguém que faz nascer sua produção e a faz morrer ao mesmo tempo. Quando fala de amor vive a experiência da morte. Fala de algo que penetrará outros seres que não ele. Seu amor sobreviverá. Mas para si morrerá.

Aqui, o que poeta escreveu deixa de ser dele e passa ser propriedade
exclusiva de quem estiver "fazendo amor" com suas palavras/entranhas. Neste momento a inspiração e significado (emoções) são outros. Não mais as do poeta mas de quem lê. Pronto. Está entregue um pedaço [da alma] do escritor àquele que se deleita e têm seu momento de gozo com ele. Pois fazer poesia é isto:
entregar um pedaço de você para que outros (muitos outros) tenham prazer com isso. E o poeta [a poesia] fica ali inerte esperando que os outros cheguem ao êxtase.

Fernando Pessoa diz que poesia não é inspiração, é trabalho, transpiração. Já tentou escrever um poema? Viu como é difícil? É assim: de repente você tem um lampejo de inspiração e arrisca colocá-lo no papel ou na tela do computador; depois de algumas tentativas , é comum pensarmos que aquilo que poderia transformar-se em pérola não passava de pedra bruta. É bobagem, a gente pensa: “deixa pra lá!” A tentativa de traduzir o sopro das profundezas da alma que ventilaram sua mente naquele instante, torna-se cada vez mais difícil. O prazer é invadido pelo trabalho, pelo dever de arrumar as coisas, as letras, a rima, a métrica etc. Trabalho não combina com prazer. Ou se tem prazer ou se trabalha. Ou será sem propósito que os escritos sagrados mais antigos atribuem ao trabalho o grau de penitência ao pecado. “Do suor do teu corpo comerás o pão”.

Então, o que dizer mais acerca da prostituta? Estamos falando de inspiração, prazer, ou trabalho? Certamente, trata-se de uma produção passível de muitas ‘leituras’. Há quem possa conceber a leitura do prazer. Outras ainda são possíveis. Fuga. Asco. Agonia. Mas e da parte dela, que oferece o corpo por trabalho? Que parte do ser está no corpo? Qual ser esta sendo dado para preencher o ser do outro?

Na poesia e nesta profissão, que é pelo senso comum, a mais antiga, trabalho e prazer confundem-se. Ser e não-ser. Vida e morte. Agonia e dor. Inspiração e obrigação confrontam-se numa luta tal que não se sabe ao certo quem ganha ou perde. Suas produções nos levam a, pelo menos, uma fatídica conclusão: a dor da alma de um provoca prazer e delírio no outro.

Marcelo Coelho Almeida
Escrito em agosto de 2000