22 de agosto de 2008

SOBRE A ESPERANÇA E O ESPERAR

Espera-se por muita coisa nesta vida. Dizia-se da mulher grávida que ela estava “esperando”. Onde quer que vamos, há sempre uma fila. Lugar de espera. Se vamos ao cinema, enfrentamos a fila do transito; a fila do estacionamento; a fila para comprar o ingresso; a fila para a pipoca; fila para entrar; fila para sair, e assim vai.

Acontece até de a gente passar em algum lugar e perguntar curioso: que fila é essa? Pensamos: se tem fila, deve ser coisa boa. Algo que justifique a espera. A pergunta vem de um lugar do desejo. Quem sabe não haja algo aqui que me faça mais feliz? Na verdade a gente pega fila por coisas essenciais: emprego, dinheiro, saúde, educação, até para pagar contas.

Hospital é um lugar onde ninguém quer ir mas que todo mundo vai. E lá, a gente pode estar certo: vai Ter fila. Teremos que esperar para pegar a senha. Senha: lugar em outra fila. Então esperamos o médico chamar. O que ele diz? – Vamos precisar de um exame. E lá vamos nós para mais uma fila. Uma para fazer o exame e outra para saber o resultado. Então, horas depois voltamos ao mesmo médico. Chegando lá o que encontramos: outra fila. É assim mesmo. Hospital é lugar de esperar.

Mas hospital também é lugar de esperança. Após um trágico acidente, queremos primeiro saber se a vítima já foi para o hospital. – Pelo menos ele está sendo tratado, pensamos. Há esperança. Quando o pai aguarda ansioso a chegada do primeiro filho, aquele corredor por onde ele anda sem parar, pode ser chamado de lugar de esperança. Hospital é lugar onde se vai buscar cuidados especiais, curas, respostas não sabidas nos demais lugares. Dizemos para quem vai para o hospital: - você vai ficar bom! Que esperança! É onde moram os mistérios do corpo, onde atendem os gurus modernos. Aqueles que dão nomes (ainda que agente não entenda) às coisas que sentimos. Curioso, às vezes, só de saber que o que a gente sente tem um nome em algum livro, agente já se sente melhor. Por que será?

A esperança e a espera são irmãs. Elas moravam na mesma casa. Um dia, se separaram e algo aconteceu.

A espera decidiu morar nas ruas, na filas, nas repartições públicas, nos bancos, enfim nos lugares mais comuns e quase sempre muito chatos. A gente espera até a última hora para não precisar ir a estes lugares. Por que? Porque esperar é muito chato. É até despeitoso às vezes. A esperança, mais nobre , decidiu morar nos templos religiosos, na fábulas infantis, nas poesias, nos campos de girassóis, nas azaléias (nestas ela só fica nos meses do inverno), no sorriso da criança. Esperança não mora em lugar onde não há amor. “Ali pois permanecem a fé, a esperança e o amor, destes três porém, o maior deles é o amor”.

De vez em quando, as irmãs separadas resolvem se encontrar. Quase sempre elas se encontram num hospital. Hospital é lugar que tem fila mas que também tem sorrisos, azaléias, livros infantis, capelas, cultos e orações.

Havia um tanque em uma cidade chamada Betesda. Era um hospital. Betesda significa “casa de misericórdia”. Só que este hospital não era como os de hoje que ficam abertos 24 horas. Ele só abria uma vez por ano. Imagina o tamanho da fila? Para este lugar, afluía uma enorme multidão de enfermos, cegos, coxos e paralíticos. Todos iam lá com muita esperança. Pois eles acreditavam segundo uma história (histórias também são lugares de esperança) que a certo tempo descia ali no tanque um anjo, que agitava a água e a primeira pessoa que entrava no tanque, uma vez agitada a água, sarava de qualquer doença que tivesse. Eu tenho dúvidas se havia mesmo um anjo ou se o que curava as pessoas era a fé naquela história.

Por mais que o hospital seja um lugar cheio de gente ferida, machucada no corpo e na alma, gente gemendo de dor, crianças com medo, pessoas estranhas e esperas, às vezes, intermináveis. Ele pode ser também lugar de esperança. Lugar onde você aproveita para refazer a vida, reeditar seus valores, estabelecer novas prioridades, reconhecer-se limitado e frágil (Felizes os humildes de espírito...), deixar ser cuidado e tratado pelas mãos humanas e pelas divinas.

Uma lembrança: nem sempre as irmãs se encontram.

Algumas dicas: Observe o sorriso das crianças. Leia um bom livro (talvez uma fábula). E aproveite as azaléias (elas estarão te esperando nos meses do inverno).

Um pensamento: Não há lugar mais paradoxal do que um hospital. Aqui trabalham os profissionais da saúde, mas o que eles fazem é lidar, quase sempre, com a doença. Às vezes agente ouve: - tem uma BPC no 9-A, ou – leve para o linfoma do quarto 3.

Uma letra de Chico: Pedro pedreiro, penseiro esperando o trem... Esperando, esperando, esperando, esperando o sol... ...é a esperança aflita, bendita, infinita do apito de um trem...

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